O Papa Bento XVI renunciou ao seu cargo conforme as leis canônicas. Fez isso para o bem da Igreja. Todavia, um sentimento de orfandade paira no ar. O Papa se despede como fez o velho Simeão no Templo. Lembramos também do Jesus diz a Pedro: “Quando fores velho, estenderás as tuas mãos e outro te cingirá e te levará para onde não queres” (Jo 21,18).
Já em 2010, no livro “Luz do Mundo” o Papa escreveu: “quando um Papa tenha a clara percepção de que física, psíquica e espiritualmente, já não consegue levar a cabo a missão do seu cargo, tem o direito, e em determinadas circunstancias também o dever de se retirar”. (cf pg 39). Saber sair de cena depois de ter servido a Deus, à Igreja e ao mundo, é um gesto de humildade e coragem. Saber descentralizar-se, relativizar-se e dar o lugar para o outro, é uma preclara confissão de conhecimento de si, de simplicidade, de realismo, de lucidez e de gratuidade.
O Papa Bento não olhou para si, mas, para a Igreja e a nobreza de abrir as portas do coração e dizer: “Tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado”. Fazer tal declaração é testemunhar transparência, coerência, responsabilidade. Este gesto foi um grande e inaudito, audaz e profético, ato de amor à Igreja.
Creio que a cruz mais pesada foi a de abdicar do que a de permanecer no cargo. Exatamente no dia mundial dos doentes o Papa Bento XVI nos surpreendeu o mundo falando que seu vigor “quer do corpo, quer de ânimo” está diminuindo. Portanto, o Papa não está fugindo, pelo contrário, está assumindo sua real situação. Diz a moral católica: “ao impossível ninguém é obrigado”.
Além de profundamente humano, o Santo Padre declara ter fé na Divina Providência que conduz a Igreja. É bom lembrar o que diz Paulo Apóstolo: “na fraqueza se manifesta a força de Deus”. O Bento XVI mostrou-se um homem livre, pois, a verdade está acima da aprovação pública, da simpatia, do sucesso pessoal. Deu um testemunho da verdade e da liberdade. Ele que escreveu tanto sobre a “teologia do pequeno”, do Deus que se abreviou, se compendiou, se fez pequeno, se fez criança e experimentou a impotência na estrebaria de Belém e no Gólgata. Vemos no Papa a espiritualidade dos “pobres de Javé”.
Sua atitude nos leva a refletir sobre nossos apegos, nossa dificuldade em deixar o poder, nossa mania de não darmos lugar para os outros, nossa permanência nos cargos, a centralização de nós mesmos. É louvável ser sincero e verdadeiro, nada esconder, não viver de aparências. Como seria bom acabar o carreirismo na sociedade e na Igreja.
Confessar nossas limitações, fragilidades, incapacidades é sinal de maturidade interior, de sensibilidade humana e de tremenda humildade. Falar nossos sentimentos não é nada fácil. Corremos o risco de ser mal interpretados e até explorados. Ele escreveu que o primado de Roma é também “o primado do martírio”, mas que sentia uma “sinfonia de confortos” através das cartas, orações, presentes, visitas e palavras consoladoras de milhares de pessoas.
O martírio do amor dura mais longamente que o do derramamento de sangue. Bento XVI escreveu sobre o “martírio da ridicularização” pelo qual passa hoje a Igreja. Ele que passou por tantas oposições, críticas, incompreensões, foi sempre seguro e gentil, forte e cordial, fiel e bondoso, sábio e santo, mestre e amigo, orante e trabalhador, ilustre e simples, teólogo e missionário, importante e simples.
Obrigado Santo Padre pelo Ano Paulino, Ano Sacerdotal, Ano da Fé, pelo Sínodo sobre a Palavra de Deus, a África, o Médio Oriente e a Nova Evangelização. Obrigado por suas homilias que atraíram os fieis do mundo inteiro. Obrigado por tanta sabedoria e tanta ternura. Obrigado por tudo e perdão pelos sofrimentos que lhe causamos. Abençoai-nos e rezai por nós.
Dom Orlando Brandes